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Prazo Decadencial Deixa de Ser Contado a Partir de Ação Pauliana do Credor
 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a citação de cônjuge de devedor após o decurso do prazo decadencial em ação pauliana não implica decadência do direito do credor. Isso porque o prazo de decadência deixa de ser contado a partir do ajuizamento da ação pelo credor. A decisão foi unânime em julgamento de recurso especial que teve como relator o ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

O recurso questionou acórdão da 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que negou provimento à apelação do devedor em ação pauliana promovida pelo Banco do Brasil. O banco ajuizou ação contra o devedor, avalista de cédulas rurais pignoratícias, e contra seus filhos, que receberam o seu patrimônio em doação. Posteriormente, após os réus terem alegado a necessidade de seus cônjuges também ingressarem no pólo passivo da ação, e já ultrapassados quatro anos da transação, houve a citação dos demais réus.

O tribunal de origem entendeu que houve fraude a credores, em razão de o devedor-avalista ter doado o seu patrimônio imobiliário aos filhos. O acórdão afirmou que, em se tratando de litisconsórcio unitário (quando a decisão deve ser proferida de maneira uniforme para todos os litisconsortes), a circunstância da citação de alguns litisconsortes ter ocorrido depois do prazo decadencial não prejudica a sua validade.

O devedor alegou, no recurso especial, que a citação de uma litisconsorte necessária teria acontecido apenas após decorrido o prazo decadencial, afirmando que o acórdão recorrido representou ofensa ao artigo 178, parágrafo 9º, inciso V, alínea b, do Código Civil de 1916, segundo o qual prescreve em quatro anos a ação de anular ou rescindir contratos, para a qual não se tenha estabelecido menor prazo, contados, no caso de erro, dolo, simulação ou fraude, do dia em que se realizar o ato ou contrato.

De acordo com o devedor, a citação de alguns litisconsortes antes do decurso do prazo decadencial não afastaria a decadência quanto àqueles cujo pedido de inclusão foi realizado após o decurso do prazo decadencial. O devedor alegou, ainda, que a decadência teria acontecido com relação a todos os recorrentes, uma vez que a alienação não poderia ser considerada válida e eficaz em relação a uns e não em relação a outros.

Citação dos cônjuges

O relator do recurso especial entendeu que a controvérsia se delimita ao reconhecimento ou não da decadência, pelo fato de alguns dos litisconsortes necessários terem sido citados somente após decorrido o prazo de quatro anos para o ajuizamento da ação pauliana. Em seu voto, o ministro Sanseverino afirmou que a ação pauliana tem natureza pessoal, e não real, uma vez que os credores não têm qualquer direito sobre os bens alienados, mas apenas garantias que se materializam na pessoa do devedor, em razão da obrigação por ele assumida.

Na visão do ministro, uma vez não se tratando de ação real, não se configura a hipótese do artigo 10, parágrafo 1º, inciso I, do Código de Processo Civil, que dispõe que ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as ações que versem sobre direitos reais imobiliários. Dessa forma, o relator entendeu que não há necessidade de citação dos cônjuges dos réus.

O relator fez ressalva, no entanto, à esposa do devedor, que também figura como doadora dos bens. No caso, o ministro entendeu ser aplicável o inciso II do referido dispositivo do CPC, que afirma que os cônjuges devem necessariamente ser citados para ações resultantes de fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles.

Ao analisar a citação extemporânea da esposa do devedor, para fins de verificação da decadência, o relator lembrou que, apesar de o Código Civil de 1916 afirmar que as ações para anular contratos por fraude prescrevem em quatro anos, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que o texto sofre de imprecisão técnica.

Direito potestativo

Em seu voto, Sanseverino menciona que a natureza desse prazo é de decadência, e não de prescrição, considerando que a desconstituição de negócio jurídico realizado com fraude configura direito potestativo do credor, ainda que, nesse caso, somente possa ser exercido por meio de ação judicial.

Quanto ao marco interruptivo do prazo de decadência, quando então se considera exercitado o direito potestativo de desconstituir negócio jurídico realizado com fraude aos credores, o ministro entendeu ocorrer com o simples ajuizamento da ação pauliana, momento em que o credor salvaguarda seu direito e a partir do qual não mais corre o prazo de decadência. No entendimento de Sanseverino, o titular do direito potestativo tem a faculdade de exercer o seu direito e, ao manifestar essa vontade, “não está condicionado à conduta da outra parte.”

Em seu voto, o ministro entendeu que a decadência foi obstada no momento da propositura da ação pauliana, não somente em relação aos réus inicialmente citados, mas inclusive contra a esposa do devedor. “O direito, portanto, é exercido no momento da propositura da ação, razão pela qual, a partir de então, não mais corre o prazo de decadência, conclusão que somente pode ser afastada nos casos em que a ação é manifestamente inadmissível”, concluiu o relator.

Voto-vista

Em voto-vista, o ministro Sidnei Beneti acompanhou o relator, sem chegar a considerar, no entanto, o caráter potestativo da ação para afastar o prazo decadencial previsto no Código Civil de 1916, que seria de quatro anos contados do dia da realização do ato fraudulento. O ministro Beneti considerou que a mulher do devedor-doador deveria ser tratada como doadora necessária, em razão do casamento, já que ela transferiu direito real pelas doações. Dessa forma, a ação, com relação a ela, assumiria caráter de natureza real, e não obrigacional, havendo na relação um litisconsórcio necessário unitário.

O ministro concordou com o relator sobre o fato de que o prazo de decadência teria deixado de fluir no dia em que foi ajuizada a ação contra o marido, ainda que não acionada, na inicial, a mulher, que só veio a ser inserida no processo por determinação judicial posterior. Na visão do ministro Beneti, a citação posterior atendeu ao previsto no parágrafo único do artigo 47 do Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz deve ordenar ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de extinção do processo. No entendimento do ministro, a citação teria sanado a falta de acionamento da mulher na ação movida pelo banco contra o marido, retornando seus efeitos à data da propositura da ação.


STJ-Superior Tribunal de Justiça

 
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