PUBLICAÇÕES
 

A marca comunitária na União Européia
 

Criada em 1996, a Organização para a Harmonização do Mercado Interno (Ohami) é o organismo da União Européia (UE) encarregado da apreciação dos pedidos de registros de marcas comunitárias. Carrega consigo uma experiência preciosa e singular que não pode ser menosprezada pelos países do Mercosul no intento de, futuramente, virem a envidar esforços para a criação de organismo semelhante e da marca comunitária como instituto jurídico reconhecido em nosso espaço comum sub-regional.

A marca comunitária - em inglês, community trade mark (CTM) - é a marca cujo escopo de validade jurídica extrapola a fronteira do Estado nacional de seu titular, tendo validade em todo espaço territorial do bloco europeu. Uma de suas principais características, portanto, é o caráter único da proteção que ela confere. Significa dizer que qualquer direito ou ônus que recaia sobre ela tem o mesmo efeito em toda a UE. É pré-requisito para o seu deferimento ser passível de registro em todos os Estados-membros, sem exceção. Havendo impedimento legal para o registro em um único membro, a marca comunitária será indeferida, restando ao requerente a alternativa de converter o pedido comunitário em nacional, em qualquer um dos Estados-membros onde deseje registrar sua marca.
A Ohami é uma agência oficial da UE com personalidade jurídica própria que goza de autonomia administrativa e financeira. Isso contribui para que a organização desfrute de liberdade de gestão, ou seja, para que tenha flexibilidade para adotar as medidas administrativas que julga cabíveis para gerenciar melhor o sistema comunitário de marcas. Há liberdade para contratar pessoal ou serviços, sem grandes formalidades burocráticas e sem ter que prestar contas em demasia às autoridades da UE. Esta flexibilidade assegura às autoridades da Ohami independência e rapidez ao tomar decisões estratégicas.
Do ponto de vista procedimental, a Ohami atua de forma cada vez mais célere. Pelo menos 85% dos processos em curso na organização são analisados de forma digital, portanto, sem a necessidade de uso de papel. Várias medidas de revisão de procedimentos e de eliminação de entraves burocráticos foram essenciais para que seja hoje uma "organização-modelo" em todo o mundo, exportando seu know how em trabalhos de cooperação técnica com muitos países, como a China, por exemplo.
Se pretendemos que o Mercosul consagre a marca comunitária, a experiência da UE não poderá ser ignorada.
Contudo, não poderia a Ohami, por si só, assegurar o bom funcionamento do sistema de marcas comunitárias da UE. Tem sido fundamental o anteparo jurídico que as cortes européias de Justiça, situadas em Luxemburgo, oferecem. Tais cortes, de natureza supranacional, contribuem para a consolidação de uma jurisprudência comunitária muito importante para o direcionamento das decisões dos examinadores de marcas da Ohami. Casos paradigmáticos enfrentados, tanto pela organização quanto pelas cortes européias, são sistematicamente citados e utilizados como fonte do direito comunitário. O resultado é um alinhamento de entendimentos cada vez maior entre a agência e os tribunais supranacionais: a grande maioria, entre 80% a 90%, das decisões da Corte de Apelações da Ohami é confirmada em Luxemburgo.
Enfim, se pretendemos realmente que um dia o Mercosul venha a consagrar o instituto da marca comunitária em nosso espaço sub-regional, a experiência da UE não poderá ser ignorada.
Será irrenunciável discutir a harmonização das leis de propriedade industrial dos Estados-membros do Mercosul antes de se pensar na criação da marca comunitária e de um organismo similar a Ohami. Na Europa, países como a Espanha foram inicialmente contrários à harmonização, pois temiam que o avanço da legislação comunitária implicasse em prejuízo aos ordenamentos nacionais. Não obstante, tal avanço mostrou-se possível a partir dos trabalhos desenvolvidos por grupos de especialistas e em virtude das contradições que o livre comércio e a falta de mecanismos para regulá-lo na Europa começaram a suscitar. Importante para que as leis comunitárias fossem postas em vigor foi o fato de que o critério de votação na União Européia fosse modificado do consenso para a maioria qualificada pelo Ato Único Europeu de 1986. Desta forma, apesar da resistência de alguns países, a harmonização das leis nacionais em propriedade industrial mostrou-se viável.
Não se pode esquecer das notórias dificuldades de se atingir entre os países do Mercosul graus mais elevados de integração que logrem superar a natureza intergovernamental do processo de negociação e a excessiva concentração do poder de decisão nas mãos de agentes dos executivos nacionais. A tradição política dos países parece resistir contra a possibilidade de cessão parcial das soberanias nacionais às instituições comuns.
Além disso, as disparidades macroeconômicas entre os Estados-membros e a assimetria do tamanho econômico do Brasil em relação ao dos demais sócios dificultam o aprofundamento institucional do bloco. Conclui-se, assim, que há que se investir na harmonização das legislações nacionais e na criação de cortes de Justiça de caráter supranacional como formas de se fortalecer o ambiente de segurança jurídica indispensável para a criação, disseminação e afirmação da marca comunitária no Mercosul.

Carlos M. Ardissoneeee

 
« VOLTAR
 
 
 
 
 Praça Dr. João Mendes, 52 - cj. 902 - CEP 01501-000 - Centro - São Paulo/SP - Fone/Fax: +55 (11) 3253.3049 3285.3646