A Justiça tornou-se um dos últimos recursos dos grandes laboratórios para manter a exclusividade das vendas de seus medicamentos protegidos por patentes. Segundos dados do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI), referentes a fevereiro, há 39 ações em instância superior - Superior Tribunal de Justiça e algumas no Supremo Tribunal Federal - envolvendo patentes de medicamentos. E a briga se justifica pelos milhões de reais em receita que cada mês a mais de proteção garante a essas empresas.
Quando um medicamento inovador tem sua patente expirada, somente no primeiro ano a empresa que o desenvolveu perde cerca de 60% das vendas do produto, segundo dados da Pró-Genéricos (Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos). Passado esse primeiro ano, as perdas continuam e os medicamentos de referência acabam mantendo apenas cerca de 15% de suas vendas anteriores ao fim da proteção, diante da pressão dos preços mais baixos dos genéricos. Em termos absolutos, essa matemática fica ainda mais forte: a Pró-Genéricos calcula que, em 2009 e 2010, o mercado de inovação perdeu US$ 1 bilhão com o fim das patentes dos produtos mais vendidos, os chamados blockbusters.
O Viagra é o clássico exemplo. Em 2009, as vendas no Brasil da pílula para disfunção erétil, enquanto estava protegida pela lei, gerou para a Pfizer cerca de R$ 200 milhões, com um volume de 6,9 milhões de unidades comercializadas. Logo após o fim da patente no primeiro semestre do ano passado, a empresa passou a concorrer com os genéricos e logo lançou o desconto de 50% por comprimido (ficando R$ 15 cada). Mesmo com a estratégia ajudando no volume, o faturamento da Pfizer com o Viagra caiu para cerca de R$ 160 milhões em 2010.
Valores tão envolventes explicam o recente caso do também blockbuster Crestor, da AstraZeneca. O medicamento para o tratamento de colesterol já está sendo ameaçado pela entrada de genéricos no mercado. Para proteger sua inovação, a empresa entrou na Justiça contra a Germed Pharma, pedindo a revogação do registro sanitário concedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a fabricação do genérico rosuvastatina cálcica (substância utilizada no Crestor).
A AstraZeneca alega que a autorização fere seu direito de propriedade industrial, enquanto a Germed argumenta que a multinacional não protegeu a molécula, apenas a fórmula, e a formulação do genérico não é a mesma. No mês passado, a Justiça do Distrito Federal negou o pedido da AstraZeneca. A briga não é à toa: o mercado da rosuvastatina no Brasil atinge o patamar de R$ 200 milhões a R$ 250 milhões por ano. Um mês que a empresa ganha de proteção gera, portanto, uma média de R$ 19 milhões.
Além da questão financeira, manter o produto protegido pela patente é também uma forma de a indústria farmacêutica tentar compensar as dificuldades de continuar crescendo. Muito dependente de inovação, o mercado brasileiro amadureceu, deixando menos espaço para novos medicamentos. As pressões vêm ainda da forte competição e dos altos custos de pesquisa. "A ciência já obteve produtos de grande eficácia para as patologias mais prevalentes. Os ganhos nestas áreas (de inovação) requerem muito investimento para pequenos incrementos, fazendo com que os desembolsos não sejam tão atrativos como foram no passado", afirma o diretor do IMS Health, Marcello Albuquerque.
Esse cenário tem feito com que os grandes do setor se agarrem nos bons rendimentos gerados por suas inovações. "Agora chegamos a um grau de amadurecimento do setor, que não há muito o que inventar, que venda em altos volumes. (As empresas) não estão conseguindo colocar produtos novos na mesma velocidade em que se perdem as patentes", completa a diretora de novos negócios da Eurofarma, Maria Del Pilar Muñoz.
Por outro lado, as gordas cifras geradas pelos medicamentos inovadores é o que sustenta a indústria dos genéricos. De olho no fim das patentes, o vice-presidente de marketing da EMS calcula que possa ser injetado no mercado de genéricos brasileiro cerca de R$ 500 milhões só com as proteções dos blockbusters que vão expirar em 2011. "Estamos com foco em cinco grandes produtos", afirma. Do mesmo modo, a Eurofarma tem no radar 26 moléculas. "Para as quais já estamos trabalhando em 75%", afirma Muñoz.
"O jogo do mercado é esse. Ganha-se primeiro, depois o mercado se abre. É o ciclo de vida dos produtos", constata o diretor de planejamento de negócios da Pfizer, Gustavo Petito. Para se defender da concorrência e da perda das patentes, a empresa entrou no ano passado no mercado de genéricos brasileiro por meio de uma parceria com a Eurofarma e da aquisição de uma parte do Teuto. Hoje tem internacionalmente cerca de 20 medicamentos protegidos por patentes.
Brasil considera o primeiro registro como marco inicial
São muitas as disputas judiciais envolvendo patentes. As que visam ampliar o período de proteção, para que os laboratórios ganhem tempo de exclusividade nas vedas, no entanto, não têm apresentado muito sucesso para os grandes laboratórios no Brasil.
Um medicamento inovador pode ser protegido por patentes por 20 anos. O Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI), acompanhando a lei brasileira, defende que esse seja realmente o período máximo de proteção. "E o judiciário brasileiro tem sido rígido nesse ponto", afirma o advogado da ProGenéricos, Arystóbulo Freitas.
Dados do INPI revelam que, no acumulado de 2000 a 2010, um total de 111 decisões judiciais foram favoráveis à instituição, enquanto 67 decisões foram favoráveis aos laboratórios. "As empresas tentam estender o prazo de proteção, mas nem sempre esses recursos são possíveis ou bem sucedidos", completa o diretor do IMS Health, Marcello Albuquerque.
Alguns casos remontam ao surgimento da própria lei no país. A Lei de Patentes entrou em vigor em 1996 e, na época, permitiu que as farmacêuticas que já tinham proteção no exterior pudessem ser protegidas também no mercado brasileiro, durante o prazo remanescente da patente lá fora - desde que o produto ainda não tivesse sido comercializado. Muitas multinacionais aproveitaram a novidade, que visava estimular a pesquisa. "Entre 1996 e 1997 foram registrados no país mais de 1200 pedidos deste tipo (dispositivo de patentes pipeline)", explica o advogado e sócio da Daniel Advogados, Rana Gosain.
O que acontece é que alguns países permitem que o período de duração da patente seja revisado quando a empresa faz um segundo depósito do pedido, enquanto no Brasil essa extensão não é aceita. Por exemplo: uma empresa registra a criação de um medicamento e a partir daí começa a contar os 20 anos de proteção. Mas depois de registrada a patente, o laboratório faz correções na fórmula e pede novo registro. Deste modo, ganha mais tempo. No Brasil, no entanto, a contagem é sempre feita a partir do primeiro registro, o que tem levado as farmacêuticas a questionarem seus direitos de revisão.
Uma outra ação comum é a do segundo uso. Neste caso, a empresa entra na Justiça exigindo a revisão de seu prazo de proteção com o argumento de que a contagem no país deveria ocorrer a partir do momento em que ela descobriu a última aplicação do medicamento, e não a partir do uso primeiramente registrado. "Muitas vezes esse uso já era conhecido. Para conseguir contar o prazo pelo segundo registro, tem de provar que é mesmo uma descoberta ou uma melhora incremental", acrescenta o advogado.
Há ainda empresas alegando que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) usa dados sigilosos para a concessão do registro do genérico (para suspender a entrada da cópia no mercado), além de casos de ações em que a empresa já sabe que vai perder, mas quer ganhar mais tempo para o medicamento protegido.
Mercado cria genérico de marca e de alta complexidade De São Paulo 14/04/2011Text Resize Texto:-A A CompartilharImprimirEnviar por e-mail Para não perderem espaço no mercado, as estratégias das farmacêuticas têm extrapolado os investimentos no segmento de genéricos e no âmbito da inovação. Com isso, os laboratórios acabaram criando duas novas "categorias": o genérico de marca e o medicamento de alta complexidade.
O foco de algumas empresas agora está no desenvolvimento dos "brand generics", os chamados genéricos de marca, que são cópias de medicamentos que levam o nome da fabricante do genéricos. "Essa já é uma tendência lá fora. O cliente é atraído pelo genérico da marca que ele conhece", afirma o presidente da Interfarma, Antônio Britto.
A ideia contraria com o princípio básico do genérico, que é a venda da fórmula, sem a necessidade de investimentos em marketing, o que ajuda na redução do preço final do produto ao consumidor. Mas, com o número cada vez maior de fabricantes de genéricos, a saída é justamente diferenciar uma cópia da outra no balcão da farmácia. E o plano de vendas é diferente: apesar de o genérico de marca ser igual a qualquer outro genérico, enquanto o segundo trabalha com a promoção no ponto de venda, o primeiro trabalha na promoção com o médico.
"O genérico (sem marca) é muito commoditizado, só manda o preço. Do ponto de vista de negócio, menos saudável. Na prescrição médica, conseguimos agregar valor, pois, trabalhamos com a geração de demanda", afirma a diretora de sustentabilidade e novos negócios da Eurofarma, Maria Del Pilar Muñoz. "O médico prefere indicar um genérico de sua confiança", completa a executiva.
As empresas focadas em inovações, por sua vez, têm adotado a estratégia de investir na pesquisa e no desenvolvimento de medicamentos mais complexos, difíceis de serem copiados, como os biológicos, originados a partir de seres vivos. Difíceis, mas ainda assim passíveis de cópia
"Atualmente, mais da metade das nossas vendas são protegidas por patentes. Queremos aumentar a parcela protegida com biológicos", conta o diretor-geral da divisão Pharma da Novartis, Adibi Jacob. Segundo ele, as projeções da empresa apontam que, em cinco anos, a parcela patenteada dos medicamentos da Novartis alcance a faixa dos 70%.
Vale lembrar que o uso dos medicamentos biológicos são bem mais restritivos, já que essas formulações são voltadas para as doenças mais complexas. Os maiores compradores desses produtos são os governos.
"O fenômeno dos biológicos é interessante. Muitos deles vão perder patentes. Mas é difícil reproduzir esses medicamentos e poucas empresas terão capacidade de atuar nesse mercado. Isso pode criar uma segmentação na indústria de genérico de alta tecnologia", avalia o executivo da Novartis.
Contexto 14/04/2011Text Resize Texto:-A A CompartilharImprimirEnviar por e-mail O julgamento do caso Viagra, do laboratório Pfizer, pode ser considerado um marco para o setor farmacêutico quanto à discussão sobre patentes. Em abril do ano passado, a multinacional perdeu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o último recurso para tentar estender o prazo de proteção do seu produto. Nesse julgamento, a 2ª Seção do STJ unificou a posição das 3ª e 4ª Turmas, o que indica que todos os demais casos devem acompanhar o mesmo entendimento por parte do STJ.
O cerne do julgamento do Viagra e de muitas patentes de medicamentos é o sistema pipeline, que surgiu com a adesão do Brasil ao acordo Trips (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), em 1995, cujos princípios nortearam a Lei de Propriedade Industrial brasileira - Lei nº 9.279, de 1996. A norma passou a considerar patenteáveis os produtos alimentícios, químicos-farmacêuticos e medicamentos, que até aquele momento não eram passíveis de proteção no país. Pelo pipeline, as patentes concedidas no exterior eram validadas automaticamente no Brasil.
O prazo máximo de vigência de uma patente no Brasil é de 20 anos, mas a discussão se concentra no início da contagem desse prazo.
VALOR ECONÔMICO - EMPRESAS
Vanessa Dezem - De São Paulo
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