Em maio, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) fechou suas portas por uma semana para reavaliar sua jurisprudência. Ao voltar, anunciou uma série de alterações em seu posicionamento, entre elas, a reforma de nove súmulas e duas orientações jurisprudenciais. Como essas súmulas não têm força de lei, podem retroagir e ser aplicadas imediatamente aos casos em andamento, o que já vem ocorrendo. A possibilidade, no entanto, preocupa advogados, pois um dos efeitos das mudanças poderá ser um crescimento inesperada de processos judiciais contra empresas que, até então, aplicavam às suas relações de trabalho o entendimento consolidado pela própria Corte superior.
O caso mais preocupante, na visão de especialistas na área, trata do adicional de periculosidade. Desde 2002, estava consolidado no TST o entendimento, por súmula, de que as companhias poderiam pagar o adicional de forma proporcional aos funcionários que não estivessem todo o tempo expostos a riscos e desde que existisse previsão no acordo coletivo da categoria. Porém, os ministros reformaram a Súmula nº 364 que trazia esse entendimento e retiraram do texto a possibilidade. A partir de agora, todos os trabalhadores expostos devem receber um percentual de 30% a mais no salário. A alteração poderá afetar diretamente a folha de pagamentos de usinas, empresas de energia, postos de combustíveis, indústrias de produtos inflamáveis, entre outras. Além de anular convenções coletivas já firmadas sobre a questão por esses setores.
O cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 273, que estabelecia a jornada de operador de telemarketing de oito horas também pode trazer um grande impacto relativo a sua aplicação. Isso porque esses funcionários passam agora a ter jornada de seis horas. Ainda que a Justiça já tenha utilizado esse posicionamento em casos isolados, mesmo antes do cancelamento da orientação, fica a questão se esses empregados poderão pedir, em massa, as horas extras a partir da sexta hora pelos ultimos cinco anos.
Como essas situações não foram analisadas ainda, após a reformas dos textos, advogados de empresas estão receosos de como as mudanças serão aplicadas na prática. Para Túlio de Oliveira Massoni, do Amauri Mascaro Nascimento Advocacia Consultiva, já há jurisprudência do TST e até do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo uso imediato das súmulas.
Em um dos julgados do TST, de 2000, os ministros deixam claro que a Seção Especializada em Dissídios Individuais 1 (SDI-1) - que uniformiza a jurisprudência - já consagrou a tese de que o princípio da irretroatividade das leis não se aplica a enunciados. Isso porque "enunciado não é lei e, dessa forma, não se aplica a ele a limitação temporal própria daquela, mesmo porque, constituindo a jurisprudência sedimentada do tribunal, indica que, antes de ser editado, já predominavam os precedentes no sentido do seu conteúdo, o que afasta a alegação de aplicação retroativa".
Nesse sentido, Massoni adianta que essa aplicação poderá gerar problemas para algumas companhias. "No caso dos acordos coletivos que previam o pagamento proporcional de adicional de periculosidade, por exemplo, o mais sensato seria considerar válidos os que já foram firmados, antes da alteração", afirma. Até porque as empresas seguiam súmula do próprio TST para firmar esses acordos. Segundo ele, porém, a tendência é que o TST já cancele essas cláusulas. A medida, por sua vez, poderá ocasionar um novo questionamento no Supremo, tendo como base a alegação da violação ao artigo 5º da Constituição, que trata da coisa julgada e do ato jurídico perfeito.
O advogado Luiz Marcelo de Góis, do Barbosa, Müssnich & Aragão (BM&A), que já foi consultado por um cliente do setor de petróleo, acredita que essa discussão poderá ser levada ao Supremo. Isso porque a própria Constituição, no inciso XXVI, do artigo 7º,trata da obediência aos acordos coletivos. "Isso cria uma insegurança sobre o que já foi praticado e deveria ser considerado válido", afirma. A situação ainda, segundo ele, deverá acarretar em impacto financeiro para essas empresas, que agora terão que pagar todo esse adicional a seus empregados, ressalta o advogado.
O mesmo deve ocorrer com a orientação jurisprudencial que trata da jornada dos operadores de telelemarketing, na opinião do advogado Túlio de Oliveira Massoni. "Tudo isso poderá gerar novas ações contra as empresas."
Ministros aplicam nova súmula
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já começou a aplicar as súmulas aprovadas pelo Pleno no fim de maio. A 3ª Turma utilizou a nova redação da Súmula nº 331 para excluir a responsabilidade subsidiária da Petrobras em processo movido por um empregado de uma prestadora de serviço.
Na decisão, os ministros modificaram o julgamento do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 21ª Região, no Rio Grande do Norte, que condenou subsidiariamente a Petrobras a pagar os direitos trabalhistas de um empregado da Servimec Engenharia e Manutenção Industrial, seguindo a redação antiga da súmula.
O relator do caso, ministro Horácio de Senna Pires, afastou a responsabilidade da empresa com base no item V da súmula modificada. Para ele, ficou clara na nova redação que os entes da administração pública direta e indireta serão subsidiariamente responsáveis apenas quando há evidencia de culpa no cumprimento das obrigações impostas pela Lei das Licitações - Lei nº 8.666, de 1993. Como no processo não se pôde concluir pela ausência de fiscalização pela Petrobras do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço, o ministro excluiu a estatal da condenação. O entendimento foi seguido pelos demais ministros.
Essa alteração, segundo a nova redação da súmula, só valeria para excluir a responsabilidade de empresas da administração pública. Porém, segundo o advogado Luiz Marcelo de Góis, do Barbosa, Müssnich & Aragão (BM&A), as empresas privadas ainda poderão pleitear esse mesmo tipo de tratamento com base no princípio da isonomia, previsto na Constituição.
VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
Adriana Aguiar - De São Paulo
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