Numa sinalização clara de que não vai admitir a guerra fiscal, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou ontem 14 leis e decretos de sete Estados, que concediam incentivos e benefícios do ICMS a empresas localizadas em seus territórios. A Corte julgou mais de uma dezena de ações diretas de inconstitucionalidade (Adins), movidas pelos Estados para questionar benefícios concedidos por outras unidades da federação. O julgamento reafirmou a jurisprudência da Corte, definindo que os Estados não podem conceder qualquer tipo de vantagem envolvendo o imposto sem convênio prévio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Foram derrubados programas de incentivos fiscais de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Espírito Santo, Pará e Mato Grosso do Sul, além do Distrito Federal, que previam benefícios como redução da alíquota do ICMS, redução do saldo devedor do imposto e da base de cálculo em operações internas e interestaduais. Os programas envolviam mercadorias como máquinas e equipamentos usados em plataformas de petróleo, carros, querosene de avião, laticínios, carne e comestíveis resfriados.
A discussão tem como base uma alínea do artigo 155 da Constituição Federal, que atribui à lei complementar a função de regulamentar a forma em que os incentivos fiscais serão concedidos. A Lei Complementar nº 24, de 1975, diz que esses benefícios dependerão de convênio prévio do Confaz. Para atrair investimentos, os Estados vêm concedendo todo tipo de vantagem de forma unilateral, gerando questionamentos no Judiciário.
Nas Adins levadas ao Supremo, alguns Estados alegaram que os benefícios concedidos eram, na verdade, uma espécie de legítima defesa, em razão das vantagens oferecidas por outros Estados. É o caso de São Paulo, cujo Decreto nº 52.381, de 2007, reduziu em 100% a base de cálculo do ICMS na saída de leite longa vida produzido em seu território, para operações dentro do próprio Estado. A procuradora Patricia Helena Arzabe, que defendeu o Estado de São Paulo em plenário, argumentou que não se tratava de incentivo fiscal para atrair investimento, mas de uma salvaguarda contra benefícios concedidos por Estados vizinhos, como Paraná, Minas Gerais e Goiás, nas operações interestaduais. Os ministros, porém, rejeitaram o argumento.
Um caso do Rio de Janeiro também chamou a atenção. Diante de uma decisão anterior do STF, que já havia declarado inconstitucional uma lei estadual concedendo incentivos fiscais, contribuintes beneficiados pela norma, que valeu por dois anos, viram-se obrigados a devolver ao Estado os tributos não recolhidos no período. Com isso, o governo baixou outra norma para beneficiá-los nessa devolução - eles foram liberados de encargos, como multa e juros, e tiveram a possibilidade de parcelar ou compensar os valores. Ontem, ao analisar a lei mais recente, o relator ministro Marco Aurélio, declarou que houve "desprezo" e um "drible" à decisão anterior do STF.
Durante o julgamento, o ministro Gilmar Mendes propôs que o STF encontre uma nova forma de encaminhar ações que tratem de guerra fiscal. Muitos benefícios fiscais permanecem em vigor durante anos, gerando ações de revide em outros Estados. O presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, afirmou que seus votos estavam prontos há três anos. Mas ele optou por levá-los a julgamento em conjunto, para não beneficiar uma ou outra unidade da federação. Peluso sugeriu a possibilidade de conceder liminares imediatamente nas ações sobre a matéria.
"O julgamento é um sinal de que o STF não irá mais tolerar medidas unilaterais dos Estados para proteger seus interesses", diz o advogado Marcelo Malaquias, do Pinheiro Neto Advogados. O tributarista Marcos Joaquim Gonçalves Alves, do Mattos Filho Advogados, se diz preocupado com a situação das empresas que foram beneficiadas por leis ou decretos agora declarados inconstitucionais. Para ele, o assunto deveria ser pacificado pelo Confaz.
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Maíra Magro - De Brasília |