A Justiça paulista vem julgando de forma favorável processos de consumidores que compraram imóveis na planta, via crédito facilitado, e desistiram do negócio. Nesses casos, as multas cobradas pelas incorporadoras têm sido consideradas abusivas, assim como a devolução da quantia paga em parcelas intermináveis. Em razão do elevado número de ações sobre o tema, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) editou três súmulas - já aplicadas pela primeira instância - que pacificam o entendimento da Corte sobre a questão.
Uma dessas súmulas determina que o comprador do imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas. O tribunal só admite o desconto de gastos pela incorporadora com administração e propaganda, e do valor correspondente ao aluguel do bem - caso o imóvel tenha sido ocupado pelo comprador. Outra súmula impõe que a devolução das quantias pagas deva ser feita de uma só vez. A terceira súmula deixa claro que, após devolver em juízo o que foi pago pelo comprador, a incorporadora não pode pedir qualquer indenização do consumidor no mesmo processo.
Em uma das decisões já proferidas pela primeira instância paulista com base nas súmulas, o juiz Alexandre Augusto Marcondes declarou rescindido o contrato e condenou uma construtora a devolver de uma só vez a totalidade das quantias que foram pagas, atualizadas monetariamente desde as datas de pagamento, acrescidas de juros de 1% ao mês, calculados a partir da citação. O consumidor argumenta que ficou inadimplente porque a entrega da obra atrasou. Em outro caso semelhante, do total de R$ 130 mil, o consumidor já havia pago R$ 30 mil. A juíza Jacira Jacinto da Silva determinou a devolução de R$ 80 mil.
Para João Crestana, presidente do Sindicato da Habitação (Secovi) em São Paulo, há despesas que são irreversíveis para as incorporadoras, como o custo com o serviço dos corretores para vender o imóvel e com advogados na contratação. O advogado Marcelo Tapai, do escritório Tapai Advogados, conseguiu decisões que declaram essas taxas ilegais. Ele cita o caso de um comprador que desfez o noivado e com R$ 35 mil já pagos, teria que desembolsar mais R$ 12 mil em razão dessas taxas, o que resultaria em uma multa equivalente a 20% do valor do imóvel (R$ 235 mil). "Outro cliente era empregado de uma concessionária há 20 anos, porém ficou desempregado e mudou o padrão de vida", diz. Tapai afirma que a incorporadora queria devolver o dinheiro já pago apenas quando a obra ficasse pronta e o apartamento fosse vendido a terceiro.
Na MRV, quando há desistência da compra, se não há acordo, o contrato é rescindido para evitar briga judicial. Segundo Maria Fernanda Menin Maia, diretora jurídica da incorporadora, se o consumidor não recebeu as chaves do imóvel, é aplicada uma retenção de 8% do valor do contrato e o restante é devolvido. "Normalmente, a devolução é feita em parcela única, mas em casos excepcionais o parcelamento é acordado porque, afinal, os clientes pagam à construtora em parcelas", explica. No caso de imóvel já entregue, a advogada explica que há também um desconto de 1% por mês habitado, por depreciação pelo uso.
Nas ações civis públicas propostas pela Promotoria de Justiça do Consumidor do Ministério Público Estadual (MPE) de São Paulo é considerada lícita a retenção de até 10% dos valores pagos pelo consumidor, mais eventuais prejuízos, como no caso em que o consumidor já usufruia do bem. Segundo o promotor Gilberto Nonaka, do MPE-SP, esse é o percentual que vem sendo aceito pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). "Na maioria dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), o percentual é respeitado, evitando o ajuizamento de ação civil pública", diz.
Segundo o advogado Jorge Cesa, do escritório Veirano Advogados, para o incorporador se prevenir da inadimplência o importante é estabelecer no contrato, além da multa, garantias no caso de não pagamento. "O afã em fazer vendas e as facilidades de crédito levaram incorporadoras a deixar isso de lado", afirma.
Segundo o presidente do Secovi, João Crestana, em comparação com o início dos anos 2000, o índice de desistência hoje é pequeno. Ele lembra que, antes de 1995, quando foi editado o Plano Real, os diversos planos econômicos reajustavam constantemente as parcelas a pagar, levando a um alto índice de inadimplência. "Mas se em 2002 o volume de financiamento imobiliário no Brasil era de R$ 3 bilhões, atualmente já bateu os R$ 85 bilhões", pondera. "Por isso, em números absolutos, o total de pessoas que desistem do negócio é considerável."
VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
Laura Ignacio - De São Paulo
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